“Trabalhe conosco”. O anúncio buscado por mais de 12 milhões de brasileiros desempregados é facilmente encontrado nos sites das empresas de tecnologia de São Carlos (SP).
Mesmo sendo um grande polo de formação de mão de obra especializada – as universidades da cidade colocam no mercado cerca de 300 profissionais de computação por ano – sobram vagas no setor de tecnologia da informação nas empresas locais. No meio de dezembro eram, pelo menos, 140.
A estimativa é que a cidade tenha cerca de 50 empresas ligadas à tecnologia que empregam mais de 1,5 mil pessoas.
A situação não é diferente no restante do país. Atualmente, são 845 mil vagas ociosas no setor e a grande necessidade de trabalhadores nessa área é facilmente explicável: com o constante aumento da demanda por tecnologia, há a carência de profissionais que façam essa tecnologia.
“Hoje tem computação em todo lugar: no smartphone, dentro e fora da TV, empresas desenvolvendo software, nuvem, internet das coisas, inteligência artificial isso passa por todo nosso dia a dia e a gente nem percebe. Na crise as empresas de TI também são muito demandadas porque uma forma de controlar e melhorar a produtividade é informatizar um setor, desenvolver aplicativo e softwares de apoio. A TI está sendo demandada em todas as frentes hoje e a gente não forma profissionais suficientes para atender esse mercado enorme”, afirma o professor Thiago Alexandre Salgueiro Pardo, presidente da comissão de graduação do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da Universidade de São Paulo (USP).
Para agravar a situação, apesar do mercado aquecido, há baixa procura por formação na área. Em São Carlos há quatro instituições de ensino com cursos ligados à computação: USP, UFSCar, IFSP e Unicep que, juntas, formam mais de 300 profissionais por ano em oito cursos diferentes. Mas eles não são muito concorridos. Na Fuvest deste ano, os três cursos oferecidos em São Carlos tiveram entre 9 e 13 candidatos por vaga.
“A média [de candidatos] oscilou bastante. Há 15 anos era muito procurado, depois foi caindo porque os cursos de humanas e biológicas aumentaram a demanda. Nos últimos três anos subiu de novo, ainda que de forma tímida. As pessoas têm muito receio com exatas, porque acham que é difícil, ao mesmo tempo teve a valorização das disciplinas de humanas”, explicou Pardo.
Profissional disputado
Como a conta não fecha, as empresas de tecnologia se esforçam para buscar os profissionais que necessitam dentro das universidades.
“Esses alunos nem saem empregados, no meio do caminho eles já estão empregados”, afirma o Diretor Executivo da empresa de softwares Monitora, Marcos Chiodi.
Menos de um quilômetro separam a Monitor do o campus da USP de São Carlos, mas a proximidade não garante que os alunos se empreguem na empresa que atualmente está com 40 postos abertos para desenvolvedor, service desk, designer, AQA, além de vagas de estágio.
Devido à qualidade técnica da formação que é oferecida em São Carlos, os alunos são bastante disputados e as empresas locais sofrem uma forte concorrência de empresas de Campinas e São Paulo e até do mercado internacional.
“Eu perco mais profissional para o mercado internacional”, diz Chiodi . “Às vezes não é nem uma questão de proposta salarial, embora o câmbio esteja bom para isso, mas é por uma proposta diferente de vida.”
Para reter o pessoal em São Carlos, as empresas precisam investir com projetos interessantes e desafiadores, oferecem horários de trabalho flexíveis, intercâmbios, curso de inglês, treinamentos e salários atrativos.
O fato de a cidade estar no interior também é um atrativo para quem já trabalharam em grandes centros e, agora, busca melhor qualidade de vida.
Profissional qualificado
Mesmo com vagas de sobra, um profissional de TI não tem a contratação garantida. O setor é bastante exigente. O profissional prefeito é bem formado tecnicamente, tem muitas soft skills (habilidades comportamentais) e fala (bem!) inglês.
Quem se forma em São Carlos tem a primeira exigência garantida.
“A formação do pessoal de São Carlos é excelente, tecnicamente falando. Nós trabalhamos com clientes e parceiros na Europa, América no Norte e Ásia e nós temos profissionais que trabalham conosco em diversos países e a gente percebe que os profissionais de São Carlos são tão bons ou melhores do que profissionais de outros locais do mundo. Tecnicamente nós nos colocamos em pé de igualdade com os principais produtores de softwares do mundo”, garante o diretor da Monitora.
“Na universidade o aluno precisa ter um bom fundamento, uma boa base para poder se adaptar nas diferentes situações. O mercado de tecnologia avança rapidamente. Se ele não tiver uma base sólida ele não consegue se adaptar quando ele for para o mercado, a tecnologia que a gente ensina na universidade daqui alguns anos já estará obsoleta e ultrapassada e o aluno tem que se virar, saber se adaptar. O mercado quer a tecnologia daquele momento, de ponta, e a gente consegue oferecer via cursos de extensão, cursos mais técnicos”, afirma o professor Pardo.
As universidades também estão investindo na formação comportamental dos alunos.
“Tem outro lado que é mais humanísticos, a questão das soft skills: saber trabalhar em times, cooperar , comunicar. Acontece muito na computação de desenvolverem softwares para empresa e mercados específicos e o profissional tem que ter capacidade de entender outras áreas, bom dialogo para entender as demandas e fazer o software, isso não é formação técnica, cai na caixinha dos ‘soft’. Ele tem que ter jogo de cintura e uma postura equilibrada e flexível para trabalhar conseguir lidar com essa varias frentes onde a computação é aplicada”, explica Pardo.
Mas o terceiro item tem sido o gargalo das contratações. Como muitas empresas focam mercado mundial e têm contratos internacionais, a proficiência na principal língua estrangeira falada no mundo é um diferencial, mas o quesito acaba sendo um limitante no momento da contratação dos profissionais de TI.
Segundo o Índice de Proficiência em Inglês 2019, elaborado pela empresa Education First (EF), o Brasil ocupa a 59ª posição entre 100 países e se enquadra na categoria de nível “baixo” em sua capacidade de se comunicar na língua inglesa. Na América Latina está apenas na 12ª posição entre 19 países pesquisados.
Solução não é fácil
A conta ainda vai demorar a fechar. Um estudo da escola de programação francesa 42, que este mês abriu duas unidades no Brasil, aponta que a demanda para a área até 2022 será de 750 mil profissionais.
O potencial de formação, por outro lado, é limitado. A universidade tenta se adaptar ao bom momento do mercado, mas bem sempre é possível. Segundo Pardo, no ICMC a capacidade física para os cursos atuais está no limite máximo.
“O que está sendo feito muito hoje é buscar EAD. Aa Univesp (Universidade Virtual do Estado de São Paulo), tem formado muita gente, a gente oferece os MBA, essas coisas têm surgido bastante”, diz o professor.
A USP também aprovou um novo curso de bacharelado em ciências de dados que deve começar em 2021
“A gente procura esses caminhos, formar mais alunos na medida do possível, formar à distancia porque a demanda vai continuar a aumentar e a gente não vai conseguir suprir facilmente essa demanda. Os alunos vão ser cada vez mais disputados. Hoje eles já escolhem onde querem trabalhar.”
Fonte: G1